segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

África, experiência de outro mundo.

Era como se fosse um teatro em que a plateia e o palco se misturavam. 

No primeiro cenário, um emaranhado de conceitos, atos, ritos, costumes estranhos e paixões selvagens que sem saber como, se entendiam sob a forma de dialetos tribais.

Os meus irmãozinhos africanos eram inseparavelmente ligados a natureza de lá, fechados numa forma de raciocínio, e ao mesmo tempo acessíveis a todo tipo de impulsos vagos, sonhos, premonições, crendices, vivendo a séculos de distância da nossa civilização urbana e niveladora. Almas que a rotina ainda não tinha conseguido estereotipar, tinham fé no extraordinário e no milagre da vida.

Nain era um menino de oito anos, nascido lá, e que aceitava aquele ambiente com naturalidade. Dentro da sua mágica visão infantil, episódios insignificantes faziam todo sentido e os acontecimentos mais trágicos se reduziam a meras impressões.

Sob o meu olhar maravilhado, Nain crescia todos os dias, incorporava as lições das plantas e dos animais, absorvia a sabedoria das outras crianças e ia se desenvolvendo a cada dia.

Penso que cheguei num momento de crise, quando, encurralados pelo amor, pela doença ou pela morte, queriam desesperadamente tomar consciência de si mesmos e buscavam o sentido daquela vida.

Me vi num abismo inventado, e confesso que senti calafrios. No fundo dele estavam os grandes medos que moram dentro da gente, a incansável busca por qualquer forma de amor e o horror a solidão. Eram esses os sentimentos que estavam na alma daquelas crianças imperfeitamente absorvidas pelo convívio social ou ainda não tocadas por ele.

Estava dentro de um teatro em que não havia separação entre o palco e a platéia.


Só queria me encontrar e acreditava que para isso teria que trilhar um caminho reto. Mas só ai pude entender que o caminho certo era um verdadeiro labirinto.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Quando trabalhei com crianças era engraçado como elas achavam que era eu quem ensinava tudo, como fazer algum desenho ou subir no escorregador pelo lado errado. Mas, na verdade foram elas que me ensinaram quase tudo que eu sei hoje.

As crianças lidam com a verdade de um jeito muito transparente, o que torna tudo muito simples. Nunca se constrangem com nada, apenas falam. E o jeito como falam, o jeito com que olham são suficientes pra decifrar uma intenção de simplesmente dizer o que se passa na cabeça e no coração, sem o objetivo de ofender, enganar, omitir. Nelas, tudo é sincero. 
Por que será que nascemos certos e, ao crescermos, vamos ficando todos errados? 
Por que desaprendemos a dizer a verdade? 
De onde vem o medo de magoar, de ofender, quando a intenção nunca foi essa? 
É na vida adulta que a gente aprende a ter intenções erradas e aprende a distorcer tudo.

A certa altura da tarde, brincamos de esconde-esconde. Eu ainda era pequena na última vez em que me escondi atrás da cortina ou debaixo da cama. Hoje foi bom lembrar como é ser criança e revelador observar como o olhar deles é carregado de ingenuidade. Eles procuram o óbvio porque não desconfiam de que a vida pode ser diferente do que se mostra.  Não tem mistério nenhum. Eles colocam a cabecinha para dentro de um cômodo e, se não encontram lá o que procuram nessa olhadinha, passam pro seguinte. Não têm a maldade de procurar atrás da cortina, dentro do armário, debaixo da cama. Não sentem que precisam encontrar porque não sabem se esconder. Nós, é que os ensinamos a “serem mais espertos”.


Pena que, ao crescerem, vão descobrir que nós também brincamos de esconde-esconde. Alguns são tão bons nisso que se escondem de si mesmos tão bem a ponto de nunca mais conseguirem se encontrar.  Mas ai acaba a graça: ninguém quer continuar brincando de encontrar o que não quer ser encontrado. Uma hora, desiste.
À medida que crescemos vamos perdendo essa saudável maneira de enxergar o mundo, somos levados a nos comportar como o resto, talvez seja uma forma de nos protegermos do que os próprios adultos criaram: tornamo-nos hipócritas em nome de uma sociedade contaminada, que ataca com desilusão ou isolamento quando confrontada com o íntegro; nos intregamos ao egoísmo, calamos mais e falamos menos, dando mais chance a mal-entendidos, mentiras, julgamentos. Esquecemos a verdade porque já não sabemos mais como lidar com ela. E a gente vai levando...
Por outro lado, se tentarmos resgatar os valores da infância, seremos constantemente massacrados. Se dissermos o que sentimos, perdemos o amor, porque ele se assusta, a sinceridade ameaça e até ofende.
O problema de crescer com consciência dos valores da infância é que isso causa um certo sofrimento,  um inconformismo sem tamanho. Esperamos que a vida seja justa como nos contos de fada, que o bem sempre vença, que os maus sejam punidos, que recebamos recompensa ou sejamos valorizados por termos nos comportado bem, que encontremos o amor e sejamos correspondidos. É tudo uma bobagem, que deve estar nos pés de página dos livros, onde ninguém lê, a gente só descobre crescendo.

 
Mas lembro de ver as crianças desenhando e buscando cantinhos em branco, em folhas já desenhadas por outras crianças e tive a clara dimensão do que é começar de novo, encontrar um novo espaço, uma abertura, um motivo pra fazer o que ninguém fez ainda. As crianças, mesmo sem querer, lidam bem com o passado, que, para elas, é sempre recente e desenham por cima se for preciso.

Elas olham para a frente, e esperam sempre o melhor, ainda que com ingenuidade. E é por isso que são tão especiais.

Nesses tempos modernos, ninguém morre de desgosto. Apenas sobrevive. E é isso que machuca.

Faria tudo outra vez. 
Como se não houvesse amanhã. 
Teria as mesma dúvidas de sempre e perderia noites maldormidas por causa da ansiedade incomodando debaixo do travesseiro. 
Mas olharia mais nos olhos, eles sempre falam mais alto do que qualquer tom de voz..
Mesmo sabendo do final, faria tudo outra vez. 
Dedicaria os melhores pensamentos, torceria pra dar certo, ainda que caminhasse pra dar tudo errado. 
Mergulharia sempre assim em tudo. Afinal de contas, esse é o unico jeito de enfrentar o medo de não ter tempo pra viver tudo. 
Coragem demais é medo às avessas. 
Cuidado demais é coragem guardada.
Teria as mesmas brigas: são elas que costumam revelar os sentimentos guardados, os comentários não ditos, e a sinceridade freada pelo medo de magoar. 
Tanto medo...  
Medo de magoar, de desiludir, de decepcionar, de mostrar os defeitos, o instinto.  
Como tinha de ser. Mas nunca era.
Faria as mesmas viagens, as mesmas descobertas. Tiraria as mesmas conclusões, talvez mais amplas pra evitar tanto erro. Daria o mesmo valor exagerado ao deslumbre.  
Poderia ser ainda melhor.  Queria ter ido além. Teria valido a pena.  
Nesses tempos modernos, ninguém morre de desgosto. Apenas sobrevive. E é isso que machuca.
Continuaria absorvendo cada "não" como tragédia e cada "sim" como um prêmio. 
Manteria as mãos dadas com o intenso. 
Não sufocaria os sentimentos assim, como quem apaga  a chama da vela com a saliva.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Só quis ser e mais nada.

Acordou, há tempos não acordava assim. O sol já se adentrava pela janela e invadia o quarto. Calor, muito calor, espreguiçada, bocejo, preguiça... 
Saiu da cama rumo ao chuveiro. Banho frio, e pensamentos sóbrios cor de rotina. 
Pensou ser melhor vestir uma blusa colorida pra disfarçar tanto cinza, e o engraçado é que lá fora o céu estava azul, mas ainda assim, cara de rotina. Lavar o rosto com sabonete de argila, “isso hidrata e melhora a pele, minha filha”, silêncio profundo, ninguém disse nada. 
A casa tem muitos ruídos, mas o silêncio profundo, vem de dentro. Os pés quentes de tanto calor ou seria vontade de andar? Colocar sandálias pros pés respirarem.
Uma nova espreguiçada e se sentar prum café da manhã. Comer pelas manhãs sempre dá uma disposição. O café, cheiro de companhia à mesa, há tempos seu café seria também sua maior companhia, algo quente e próximo como um cigarro, o melhor amigo de tanta gente. 
Por que cigarros? 
Pra que fumar? 
Se cigarros nunca cheiraram como flores...
Comeu logo, será que devo escovar os dentes ou deixar esse gosto de café aqui,  só mais um pouco? Preferiu escovar os dentes. Não calçou os sapatos. Fingiu se esquecer das horas, mas lembrou.
Chave na mão, disse tchau pro vizinho que regava as flores, embora não existissem nem vizinho e nem flores. Mesmo assim, desceu às escadas em direção à rotina, carregando a chave na mão direita e algum sentimento na mão esquerda, sentimento que não distinguia e talvez nem sentia. Fingia sentir, fechava os olhos pensando em outras coisas...
Pela rua, muitas pessoas e também nenhuma, não havia trabalho, não havia ocupação, não havia dor de cabeça. Sentia-se egoísta por isso, como poderia estar mais tranqüila do que os outros? 

Todo mundo com tantas sacolas e tanta pressa, e eu aqui andando pelo asfalto? Parou na praça da liberdade de frente à fonte, sentiu cheiro de flor e se lembrou que gostava de verde também. Decidiu comprar um vestido. Sobre o vestido sabia que seria verde, verde é sempre bom, também serve para combater o cinza. Andou pelas ruas da Savassi, olhou as vitrines, quis casar com Chico Buarque e não entrou em lugar nenhum.   
Sentiu-se verde, leve e teve uma vontade de abraçar alguém. Abraçou as idéias e logo se esqueceu do que pensava.
Irritou-se com o cachorrinho, por que os cachorros parecem estar menos sozinhos nesse mundo cão? Tinha inveja dos cachorros porque queria ser um deles, pra ser capaz de encostar nos outros com todo aquele ar de plenitude.
Continuou a caminhar, desejou ser diferente e quis deitar bem no meio do centro da cidade, no meio daqueles prédios e daquelas pessoas apressadas cheia de sacolas.
Olhou pra cima, viu pombos, riu deles.
Entrou numa galeria de arte e imaginou que os artistas deveriam ser os mais ocupados de todas as pessoas. Por um instante desejou que os pensamentos fossem ocupações, mas logo respirou aliviada por não serem. Gostava de pensar em vão. Olhava quadros e pensava que a estátua da fonte era mais bonita. Sentiu raiva dos artistas com sua prepotência, será que eles nunca tinham reparado  o tamaninho do amarelo diante de uma primavera?
Parou de procurar vida em toda esquina! Sabia que nenhum sentimento viria do nada, mas, ainda assim, procurava.
Ela saiu em silêncio, aquele mesmo silêncio de dentro, o único ruído vinha da chave que balançava no bolso.
Perdeu-se sem saber pra onde ir. Abriu a bolsa, despejou tudo o que tinha, queria voltar pra casa. Ela já não sabia que desde o início aquele dia seria cinza?
Fechou os olhos e respirou fundo. Não queria voltar pra casa. 
Tranquila, ela aceitou os fatos, e se alegrou, quase deu um pulo. Vibrou por saber que a primavera estava era ali mesmo.  
Quis correr, mas sentiu que era parada que ela se sentia presente. 
Fincou os pés no chão, no presente.
Pensou só no essencial.
Rapidamente e deixando de lado todo o resto, soltou o sentimento da mão esquerda, jogou a chave pro alto.
Só quis ser e mais nada.

dispenso a pressa...

dispenso a pressa que me tire a alegria de viver
que me tire a saúde
que me tire o prazer do dia a dia

pra onde mesmo estão indo?
podem ir sem mim
eu não tenho hora pra chegar...

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O meu coração.

Decidi que agora vou escutar meu coração.
Não daquele jeito que as pessoas dizem, quando querem dar um conselho. 
Quero escutar o som que vem dele.
Aquele tum tum...
A nota que começa e termina para que depois comece outra. 
Penso no meu coração em nota Sol. 
Qual seria o timbre?
Para ouvir a música que meu coração carrega em Si,  fecho os olhos, respiro, paro, escuto.
Meu coração é quase uma orquestra, cheio de notas e acordes.  
Músicas que se misturam lá dentro.
Mas lá dentro não sei se é tenor, ou é temor. 
Meu coração jazz....
Meu coração tem sons indecifráveis. 
Alguns estranhos, outros comuns...
Tem horas que ele produz uma batida diferente tentando enganar. 
Eu sei que ele gosta de criar músicas novas...
Esse coração as vezes tem uns tum tums  que são na verdade uns tic tacs de pura ansiedade. 
Apesar de não gostar de relógios, o tictac espera alguma coisa que eu  ainda não sei bem o que é. 
Espera paciente mesmo sem saber o que quer. 
Quer muito. 
Quer demais.
Meu coração precisa de silêncio para que novas músicas se criem. 
De vez em quando ele se cala, sefinge de mudo. 
Mas está ali. 
Forte. 
Presente. 
Foi calado que o meu coração aprendeu a ouvir e a observar o mundo de longe. 
Espera quietinho, escuta. 
Aprende a escutar os silêncios. 
O tic tac se mistura com os tum tums.
Meu coração não se cansa, não sei bem porquê. 
Bate feliz, e quer mais. 
Novas músicas, outros silêncios, batidas indecifráveis, novos acordes , tudo  junto e ao mesmo tempo. 
Meu coração quer muito mais que um tic tac imperfeito.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Depois que a chuva passou, e que cada um seguiu o seu caminho, bateu uma saudade, ou talvez só uma vontade de ligar pra saber como você tá. 
Sobre a saudade, posso dizer que ela não tá ligada ao amor ou à volta.
O que posso tentar descrever aqui é uma espécie de falta, uma lembrança forte daquela presença e, talvez, uma espécie de negação de não saber se acostumar com o silêncio e com a distância de duas pessoas que já foram tão próximas e que, de repente, passaram a habitar vazios distintos. 
Vem agora um desejo envergonhado, escondido, e orgulhoso já que a dor passou e, agora, quem sabe o sentimento é outro, felicidade, paz, ter um carinho saudável um pelo outro, mesmo depois dos escorregões que tanto nos atormentaram.
Sinto uma vontade inexplicável de perdoar.
Sinto vontade de pedir perdão, mas, deixa pra lá... 
Te desejo o bem, de verdade. 
Chegou o momento de buscar algum tipo de leveza que me conforte e que me acalme. 
Tenho mantido o coração em silêncio para que ele se recupere de forma saudável e tranquila. 
E ai depois de refeito, poderá se abrir denovo, sem medos. 
Vou de coração aberto pra novos mergulhos. 
O silêncio assusta, é só uma pausa pra respiração.
Mas não sei porque, hoje tive vontade de te agradecer por ter feito parte dessa época tão boa e ter sido o primeiro amor, primeiro salto, primeiro mergulho, primeira vontade, primeira falta, primeira mágoa, primeiro tombo. 
E por ter vivido primeiros tão bons momentos, ter me feito acreditar no amor e querer entregar pra você todas as coisas que todos desejam entregar pra essa palavra tão cheia ou vazia de significados: amor. 
Então, eu queria entregar pra você todas as alegrias, e confesso que na época pra mim nenhuma alegria era maior do que estar com você.
Sei que caminhei pelo caminho mais longo, mas de nada me arrependo, nem mesmo de ter tropeçado tanto depois do depois. 
Se o amor é assim, intangível, talvez precise de silêncios para se recompor. 
Mas aquilo que já foi dito e tão pouco entendido, continuará persistindo até o fim dos nossos dias e, ainda bem, acredito ser o amor a cura de tudo.
O amor se transformou, mesmo que as vezes ainda se confunda. 
Virou outro. 
Como numa metamorfose ambulante.
Agora, de verdade: mando bons fluidos para você. 
Desejo que seus olhos continuem a passear por ai e que seu peito não se cale nunca! 
Só sinto falta daquele colorido que se dará de outras formas e cores a partir de agora. 
Te desejo o bem.
E te desejo mais, 
desejo que um dia você consiga abraçar alguém com verdade, com aquela mesma verdade daquele abraço que um dia nos uniu.