quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Só quis ser e mais nada.

Acordou, há tempos não acordava assim. O sol já se adentrava pela janela e invadia o quarto. Calor, muito calor, espreguiçada, bocejo, preguiça... 
Saiu da cama rumo ao chuveiro. Banho frio, e pensamentos sóbrios cor de rotina. 
Pensou ser melhor vestir uma blusa colorida pra disfarçar tanto cinza, e o engraçado é que lá fora o céu estava azul, mas ainda assim, cara de rotina. Lavar o rosto com sabonete de argila, “isso hidrata e melhora a pele, minha filha”, silêncio profundo, ninguém disse nada. 
A casa tem muitos ruídos, mas o silêncio profundo, vem de dentro. Os pés quentes de tanto calor ou seria vontade de andar? Colocar sandálias pros pés respirarem.
Uma nova espreguiçada e se sentar prum café da manhã. Comer pelas manhãs sempre dá uma disposição. O café, cheiro de companhia à mesa, há tempos seu café seria também sua maior companhia, algo quente e próximo como um cigarro, o melhor amigo de tanta gente. 
Por que cigarros? 
Pra que fumar? 
Se cigarros nunca cheiraram como flores...
Comeu logo, será que devo escovar os dentes ou deixar esse gosto de café aqui,  só mais um pouco? Preferiu escovar os dentes. Não calçou os sapatos. Fingiu se esquecer das horas, mas lembrou.
Chave na mão, disse tchau pro vizinho que regava as flores, embora não existissem nem vizinho e nem flores. Mesmo assim, desceu às escadas em direção à rotina, carregando a chave na mão direita e algum sentimento na mão esquerda, sentimento que não distinguia e talvez nem sentia. Fingia sentir, fechava os olhos pensando em outras coisas...
Pela rua, muitas pessoas e também nenhuma, não havia trabalho, não havia ocupação, não havia dor de cabeça. Sentia-se egoísta por isso, como poderia estar mais tranqüila do que os outros? 

Todo mundo com tantas sacolas e tanta pressa, e eu aqui andando pelo asfalto? Parou na praça da liberdade de frente à fonte, sentiu cheiro de flor e se lembrou que gostava de verde também. Decidiu comprar um vestido. Sobre o vestido sabia que seria verde, verde é sempre bom, também serve para combater o cinza. Andou pelas ruas da Savassi, olhou as vitrines, quis casar com Chico Buarque e não entrou em lugar nenhum.   
Sentiu-se verde, leve e teve uma vontade de abraçar alguém. Abraçou as idéias e logo se esqueceu do que pensava.
Irritou-se com o cachorrinho, por que os cachorros parecem estar menos sozinhos nesse mundo cão? Tinha inveja dos cachorros porque queria ser um deles, pra ser capaz de encostar nos outros com todo aquele ar de plenitude.
Continuou a caminhar, desejou ser diferente e quis deitar bem no meio do centro da cidade, no meio daqueles prédios e daquelas pessoas apressadas cheia de sacolas.
Olhou pra cima, viu pombos, riu deles.
Entrou numa galeria de arte e imaginou que os artistas deveriam ser os mais ocupados de todas as pessoas. Por um instante desejou que os pensamentos fossem ocupações, mas logo respirou aliviada por não serem. Gostava de pensar em vão. Olhava quadros e pensava que a estátua da fonte era mais bonita. Sentiu raiva dos artistas com sua prepotência, será que eles nunca tinham reparado  o tamaninho do amarelo diante de uma primavera?
Parou de procurar vida em toda esquina! Sabia que nenhum sentimento viria do nada, mas, ainda assim, procurava.
Ela saiu em silêncio, aquele mesmo silêncio de dentro, o único ruído vinha da chave que balançava no bolso.
Perdeu-se sem saber pra onde ir. Abriu a bolsa, despejou tudo o que tinha, queria voltar pra casa. Ela já não sabia que desde o início aquele dia seria cinza?
Fechou os olhos e respirou fundo. Não queria voltar pra casa. 
Tranquila, ela aceitou os fatos, e se alegrou, quase deu um pulo. Vibrou por saber que a primavera estava era ali mesmo.  
Quis correr, mas sentiu que era parada que ela se sentia presente. 
Fincou os pés no chão, no presente.
Pensou só no essencial.
Rapidamente e deixando de lado todo o resto, soltou o sentimento da mão esquerda, jogou a chave pro alto.
Só quis ser e mais nada.

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