terça-feira, 13 de julho de 2010

A linha proibida.

Tinha medo de atravessar a linha proibida.
Aquela linha tênue que separa, o possível do improvável.
Aquela linha que, uma vez atravessada, poderia colocar tudo a perder.
- Quanto posso demonstrar? Quanto posso querer?
Não queria assustar o outro com seus passos apressados outra vez.
Sentia vontade como sempre, e vontade pra ela era algo que não poderia ser nada mais nada menos do que independente de qualquer coisa.
Se ela queria, já era intenso.
E isso ela sabia que assustava, não ela, que desde nova assumiu ser capaz de correr riscos.
Mas o outro.
Os tantos outros que passaram por sua vida.
Foram muitos os corações que ela foi capaz de assustar na demonstração da sua vontade.
Embora tentasse, nunca conseguiu nunca fazer o papel da charmosa mulher que, enquanto fuma seu cigarro, lança olhares tortos aos homens durante uma noite esfumaçada.
Sempre fora a mulher que tropeçava e caía.
Que falava com voz grave e ria alto revelando os dentes.
Que derrubava cerveja na blusa branca do flerte no primeiro encontro.
Sem conseguir ser o tipo meiga, que se veste com tons pastéis, fala baixinho ao pé do ouvido, não bebe, não fuma, e sorri discretamente.
Ela tentava fingir que queria menos que queria - enquanto tentava verificar em si, sempre, se queria tanto quanto gostaria de querer.
Tinha uma predileção por grandes encontros, dramas, e as vezes até uns romances.
Fantasiava com estórias arrebatadoras até mesmo antes delas acontecerem.
De qualquer maneira, o momento era de cuidado.
Não queria meter os pés pelas mãos outra vez.
Caminhar na corda bamba, ligar menos, balançar os cabelos querendo dizer indiferença.
Mesmo sendo aquela que derruba cerveja, deveria fingir, pelo menos por alguns instantes ser uma daquelas ladies da night.

Marijuana ilegal!

Uma mente naturalmente delirante, uma viagem capaz de colocar qualquer um em contato direto com a loucura!
Visões, idéias, planos...
Em um país em que quase tudo era proíbido, e a culpa faz a gente pensar que todo mundo está olhando nossos pecados...
Mas a verdade é que eu tinha medo de sermos jogadas em Guantânamo, nas masmorras do autoritarismo, por qualquer deslize.
Que bobagem, na verdade, naquele momento, naquele país, ninguém estava preocupado com um bando de meninas bem-nascidas, um punhadinho de fumaça no bolso, e as idéias fervilhando.
Só queriam prender ideais.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Grito mudo.

Minha garganta dói.
Faz tempo que não sentia minha garganta doer assim.
Engulo levemente, a saliva atravessa o corredor escuro da extensão do pescoço em passos lentíssimos, slow motion.
Já entendi que o dia todo vai se alimentar de narrativas em silêncio. E que enfrentar um dia assim é muito difícil pra mim, porque eu sinto que um dia assim, como uma vida assim sem palavras ou sons é muito triste. Tudo parece remeter à uma atmosfera em que eu não me encontro. Me sinto um cisco sem a minha voz.
Minha garganta dói.
Faz tempo que não sentia minha garganta doer assim.
Antigamente eu tinha dores de garganta bastante frequentes, quase sempre seguidas por uma tristeza, uma melancolia. Lembro do meu pai me perguntando porque que eu tava triste. Eu tentava dizer, e ficava mais triste ainda.
Com o tempo as dores de garganta foram sumindo.
Cresci, e o ponto fraco do corpo passou a ser o nariz. Ouvi dizer outro dia que todo ser humano tem um ponto fraco no corpo, uma parte que pede socorro desesperada quando há queda de resistência.
Mas resistência à quê? ...
Dizem que a garganta é o lugar mais emotivo do corpo. Mas eu acho que nariz é bem pior, é respiração. E isso é bem mais complexo.
Minha garganta dói e eu tento cantar em silêncio.
Tento exercitar o olhar, a atenção visual pras coisas e estabelecer um diálogo verdadeiro.
Minha garganta dói.
Dizem que a garganta dói sinalizando alguma coisa que não vai muito bem com o coração.
Mas eu sinto ele batendo direitinho ali, tum tum tum...
Consigo colocar a mão do lado esquerdo e sentir o timbre dele.
Pra sentir o timbre colocando a mão do lado esquerdo do corpo é preciso que se tenha coragem.
Pode ser que se sinta um timbre que não se gosta, e isso é perigoso.
Minha garganta dói e me toma as palavras. Me deixa oca.
E num grito mudo tento ouvir o que é que ela está querendo dizer.

Para você que some.

Você se relaciona. Ponto. Isso seria o início.
Você se relaciona com alguém que acaba de conhecer. A relação se dá aos poucos. Ou pelo menos você gostaria que fosse assim, realmente aos poucos. No entanto, a pessoa com quem você se relaciona começa a te envolver cada dia mais, mesmo que você resista.
Você não tinha planos de se envolver. No entanto a pessoa com quem você se relaciona não mede esforços para que o envolvimento natural aconteça e, antes mesmo de se dar conta, você já se encontra absolutamente envolvido. Acontece que estão ambos envolvidos: e, de repente, a pessoa que te envolve resolve desaparecer. Assim, como quem esquece a caneta ou o guarda chuva em algum lugar.   
Esse alguém com quem você se relaciona te esquece. Esquece que se relacionou, que te envolveu, esquece até mesmo de quem se tratava. Simplesmente desaparece. Você não espera, se desespera.
Você, sempre soube que essa estória de sumir não é legal, não pega bem, enfim, não é de bom tom.
Ainda mais quando se trata de alguém que não economizou nem um pouco em deixar você.
Você, não queria se envolver.
Esse alguém, parecia querer se entregar rapidamente às paixões.
E assim, como quem comete um crime, arranja tudo para o golpe final, o desaparecimento pós-conquista.
Você, já não pode fazer mais nada. E mesmo que pudesse, não seria de bom tom chamar para uma conversa séria: "Por que não ligou, não mandou um email, uma carta, um sinal de fumaça, uma lembrança? Por que não disse simplesmente que queria sair fora?".
Seria inútil, porque quem costuma sumir nunca se submete às explicações ou perguntas diretas.
Você, no entanto, gosta das coisas diretas. Claras. Simples. Sem dúvidas.
Esse alguém faz campanha para a obscuridade.
Você não espera mais, não se desespera mais.
E depois de tudo, você, de coração apertado, vai se lembrar, vai pensar, vai colocar as mãos sobre o rosto, talvez até vai chorar um pouquinho, mas depois você, vai esquecer o que passou e vai começar tudo outra vez. Ponto. Isso seria o início.

Agradecer o nada, por ter me dado tanto.

Amores antigos voltam com toda força em momentos de calmaria...
E a minha cabeça fica confusa...
Já não reconheço mais o amor...
Talvez porque eu nunca tive habilidade para um compromisso...
Não coleciono sogras...
E muito menos umas histórias de amor bonitas...
Um sujeito de longe acena a vinda para tentar entrar no coração ou na memória...
Enquanto aquele outro desaparece em silêncio, como coisa esquecida...
Queria nascer para o instante...
Guardar em grandeza o pouquinho...
Agradecer o nada, por ter me dado tanto...
Tenho alguns anos de vida, poucos de coração...
Amor maior em mim ainda não há.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Objetos cotidianos

Hoje no escritório, chegou mais um casal querendo se separar... um casal que morava no mesmo prédio que eu.
Achei estranho porque ao contrário dos casais normais, eles não estavam brigando, estavam bem tranquilos, já tinham decidido sobre como seria a divisão dos bens, e teve uma hora que ela fez até uma piadinha e ele ficou rachando...
Ele perguntou como que ela estava, e ela, toda alegre contou que estava namorando um ex colega de escola, e perguntou se ele ainda estava com a fulana de tal e que assim que ela organizasse a casa nova, marcaria um jantar para eles quatro...
Fiquei pensando como seria bom se todas as separações fossem assim... Sem drama!
Ai ele comentou que tinha levado o abajur pequeno, já que ela tinha ficado com umas tacinhas que a mãe dele tinha dado de presente. E comentou que tinha pegado as velhas toalhas beges que ela nem gostava mesmo!
Ela riu e falou que não tinha problema algum, que ela tinha pegado a cafeteira e o aparelho de chá, porque ele nunca foi muito chegado em café...
E ele disse que pegou uns livros que não tinha lido ainda e uns CD’s, já que ela ficou com o aparelho de som...
E eles ficaram conversando sobre os objetos que cada um tinha pegado pra sí, relembrando um tanto de coisas, do dia em que foram comprar a cafeteira e ficaram perdidos no estacionamento do shopping... dando risadas como velhos e bons amigos...
Ai ontem passei no apartamento dele, no segundo andar aqui do prédio, pra levar um documento que faltava para o divórcio, e lá estava um abajur sem lâmpada jogado num canto, as toalhas beges penduradas no varal... e os CD’s, sem o aparelho de som, ocupavam espaço na estante empoeirada.
E hoje, quando voltei pra buscar o documento assinado, a casa estava toda arrumada, a estante estava com um aparelho de som e alguns outros objetos. Achei estranho a rápida mudança... e então quando eu tava saíndo, ele me apresentou a fulana de tal e falou dando risadas, que eles estavam vivendo um amor eterno, até quando chegar o momento de dividirem seus objetos cotidianos.

Aqui jazz.

O jazz me soa bonito.
Soa bonito como poesia.
É pena que muita gente não entende poesia e detesta jazz.
Mas o mais interessante é que indiferente a tudo isto o jazz vai seguindo o seu caminho...
O saxofone tocando lento...
O baixo entrando sem ser chamado...
A bateria, de mãos dadas com o piano que sussurra um ritmo...
E como se não bastasse, a voz de um cantor desafiando o imprevisto...
Quando você acha que o tom vai subir, ele desce.
Quando acha que vai descer, ele simplesmente diminui.
E quando você acha que acabou, começa.
E lá vai o sax: FÔÔÔ...
E a bateria: TU, TU, TUTAK, e: PLIM, PLIM, PRUOOOOOOOMMMMMM, o piano.
O baixo também tem sua personalidade: TGUM, TGUM, TGUM...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Cada um no seu cada um que não interfere no cada um de cada um.

Cada um no seu quadrado,
Cada quadrado, quatro lados,
Cada lado uma razão.

Cada macaco no seu galho,
Cada galho na sua árvore,
Cada árvore no seu chão.

Cada chão na sua terra,
Cada terra no seu sistema solar,
Cada sistema na sua galáxia,
Cada galáxia a sua Via Láctea,
Cada Via Láctea na cabeça de cada um.

Cada um com seus problemas,
Cada problema com seu bobo,
Cada bobo no seu quadrado como um macaco no seu galho.