Ele apareceu pra curar Ela, e Ela pra curar Ele
também.
Ela guardava toda a dor do mundo, todas as feridas de um sentimento sem cura
e Ele guardava os ouvidos, e o braço sempre estendido.
E ali, naquele começo,
Ele quase se esquecia da ferida que também precisava de curar, ferida de um
sentimento quase sem cura.
Quase incurável?
Não sei. Só sei que começaram assim, primeiro pelo colo, pelos
braços, e depois pela cura dos dois. Cúmplices de uma mesma dor, de um mesmo sentimento, se consolavam juntos, pouco a pouco.
Um no colo do outro, lá estavam os dois a compartilhar as feridas abertas.
Ele soprava a
ferida Dela de um jeito que a aliviava.
Ela só sorria pra Ele, e isso
já era tudo.
Compartilhavam as feridas e assim
iam também compartilhando os braços, abraços, sonhos, sonos, idéias, olhares,
toques, silêncios.
Se entendiam muito bem durante as conversas. E se
entendiam melhor ainda nos silêncios.
À medida que iam se entendendo, iam
também se curtindo, mais e mais.
Porém, mesmo um precisando tanto do colo do
outro, tanto Ela quanto Ele colocavam ali um limite de envolvimento, uma linha
tênue quase transparente que os impedia de ir muito adiante, é que eles ainda não estavam
curados.
Os dois sabiam que tinham se conhecido para se curarem,
e não podiam e nem deviam ir muito além disso...
Ele não era pra Ela.
E Ela não era pra
Ele.
Tinha ali algo quase melhor
do que o amor: cumplicidade, carinho, colo, abraço e amizade.
Leveza.
Ele adorava Ela.
E ela, ela adorava tanto Ele...
E os dois se guardavam no nada... longe de qualquer dor.
E se enchiam de abraços: um abraçava
a dor do outro, e o outro curava a ferida de um.
Por fim Ela só queria conversar com
Ele.
E Ele, Ele só queria confiar Nela.
Iam se adorando na paz e nas risadas.
Até que teve um dia eles se entenderam
demais, se entendaram tanto... que aqueles abraços se tornaram tão apertados que foram ficando sufocantes.
Insegurança e medo.
Nunca mais Ele curaria Ela.
Nunca
mais Ela curaria Ele.
E o medo de uma outra nova ferida fez com que cada um seguisse o seu caminho.
Se separaram.
E agora, quando alguma ferida começa a se abrir, Ele acena pra Ela, e Ela sorri pra
Ele.
E eles se entendem muito bem, melhor ainda no silêncio.