terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Quando trabalhei com crianças era engraçado como elas achavam que era eu quem ensinava tudo, como fazer algum desenho ou subir no escorregador pelo lado errado. Mas, na verdade foram elas que me ensinaram quase tudo que eu sei hoje.

As crianças lidam com a verdade de um jeito muito transparente, o que torna tudo muito simples. Nunca se constrangem com nada, apenas falam. E o jeito como falam, o jeito com que olham são suficientes pra decifrar uma intenção de simplesmente dizer o que se passa na cabeça e no coração, sem o objetivo de ofender, enganar, omitir. Nelas, tudo é sincero. 
Por que será que nascemos certos e, ao crescermos, vamos ficando todos errados? 
Por que desaprendemos a dizer a verdade? 
De onde vem o medo de magoar, de ofender, quando a intenção nunca foi essa? 
É na vida adulta que a gente aprende a ter intenções erradas e aprende a distorcer tudo.

A certa altura da tarde, brincamos de esconde-esconde. Eu ainda era pequena na última vez em que me escondi atrás da cortina ou debaixo da cama. Hoje foi bom lembrar como é ser criança e revelador observar como o olhar deles é carregado de ingenuidade. Eles procuram o óbvio porque não desconfiam de que a vida pode ser diferente do que se mostra.  Não tem mistério nenhum. Eles colocam a cabecinha para dentro de um cômodo e, se não encontram lá o que procuram nessa olhadinha, passam pro seguinte. Não têm a maldade de procurar atrás da cortina, dentro do armário, debaixo da cama. Não sentem que precisam encontrar porque não sabem se esconder. Nós, é que os ensinamos a “serem mais espertos”.


Pena que, ao crescerem, vão descobrir que nós também brincamos de esconde-esconde. Alguns são tão bons nisso que se escondem de si mesmos tão bem a ponto de nunca mais conseguirem se encontrar.  Mas ai acaba a graça: ninguém quer continuar brincando de encontrar o que não quer ser encontrado. Uma hora, desiste.
À medida que crescemos vamos perdendo essa saudável maneira de enxergar o mundo, somos levados a nos comportar como o resto, talvez seja uma forma de nos protegermos do que os próprios adultos criaram: tornamo-nos hipócritas em nome de uma sociedade contaminada, que ataca com desilusão ou isolamento quando confrontada com o íntegro; nos intregamos ao egoísmo, calamos mais e falamos menos, dando mais chance a mal-entendidos, mentiras, julgamentos. Esquecemos a verdade porque já não sabemos mais como lidar com ela. E a gente vai levando...
Por outro lado, se tentarmos resgatar os valores da infância, seremos constantemente massacrados. Se dissermos o que sentimos, perdemos o amor, porque ele se assusta, a sinceridade ameaça e até ofende.
O problema de crescer com consciência dos valores da infância é que isso causa um certo sofrimento,  um inconformismo sem tamanho. Esperamos que a vida seja justa como nos contos de fada, que o bem sempre vença, que os maus sejam punidos, que recebamos recompensa ou sejamos valorizados por termos nos comportado bem, que encontremos o amor e sejamos correspondidos. É tudo uma bobagem, que deve estar nos pés de página dos livros, onde ninguém lê, a gente só descobre crescendo.

 
Mas lembro de ver as crianças desenhando e buscando cantinhos em branco, em folhas já desenhadas por outras crianças e tive a clara dimensão do que é começar de novo, encontrar um novo espaço, uma abertura, um motivo pra fazer o que ninguém fez ainda. As crianças, mesmo sem querer, lidam bem com o passado, que, para elas, é sempre recente e desenham por cima se for preciso.

Elas olham para a frente, e esperam sempre o melhor, ainda que com ingenuidade. E é por isso que são tão especiais.

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