domingo, 8 de abril de 2012

EXPERIÊNCIAS ANTROPOLÓGICAS

"Atualmente participo de um estágio na APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado) onde atendo um recuperando. Para quem não sabe a APAC é uma Entidade Civil de Direito Privado atuante nos presídios, que tem como metodologia a valorização humana e que visa oferecer ao condenado formas de se recuperar e retornar à vida social. O meu trabalho lá é de construir, junto com o recuperando que atendo, um livro que conte um pouco de sua história de vida.
Hoje, depois da profunda experiência que tive ao atendê-lo, sai desnorteada da sala onde tudo acontecera. É tudo muito intenso, muito real. Difícil mesmo de engolir. Milhões de pensamentos começaram a brotar na minha cabeça e aqui desejo transformá-los em palavras, texto e reflexão.
A sociedade vende o preso como um monstro. Mentira. Eles são como nós, eles fazem parte de nós. Nós somos eles, mas como nascemos em contextos diferentes, não ficamos sujeitos à mesma realidade. A verdade é que o ser-humano, em sua grande parte, é um ser fraco. Ele cede às tentações, ele cede às incertezas, ao medo que a realidade passa. Por isso, reage do jeito que dá.
Ao sair da sala, fiquei esperando a minha companheira de estágio para irmos embora juntas. Resolvi aguardá-la na recepção onde não tinha ninguém e onde eu permaneceria presa. Trancada. Olhando através das grades da Apac fiquei tentando imaginar a sensação de se estar preso. Obviamente que o que eu senti naquele momento não se compara a uma real experiência, mas ao pensar nisso, só consegui encontrar em mim uma angústia gigantesca. Angústia de animal castrado, preso, recluso. Pensei no que a liberdade representa. Ser livre é a melhor coisa do mundo, acho que esta é a palavra mais bela que já ouvi. Ela não implica em fazer o que quiser, mas implica ser o que quiser, sentir o que quiser, respirar fundo e apreender o nosso eu interior. Eu mirava do portão a paisagem que se encontra em frente ao prédio e só pensava como queria poder ir ali, até ali que fosse. Mas ir se quisesse. Isso é ser livre, palavra e poesia ao mesmo tempo. Eu amo a liberdade.
Refleti então sobre a ideia de que quem faz algo para ser preso é punido, principalmente, através da perda da liberdade. Perde o respeito da sociedade, vira um estereótipo e muitas vezes não é aceito de volta. Corrijo, nunca é aceito de volta. Ninguém lembra que aquele ser vivo, da nossa espécie, que sente igual a gente, que pagou pelo que fez em condições sub humanas tem o direito de voltar para a vida social. Ninguém se lembra disso, nem o governo, muitos menos os cidadãos ocupados em cuidar do próprio umbigo e da própria carteira. É muito mais fácil unir essas pessoas marginalizadas às categorias da nossa cognição que eliminam os mesmos das nossas preocupações.
Vale a pena? Esse tipo de punição funciona? Porque até onde eu sei, no Brasil ele não muda nada. Ele ensina os condenados a odiar mais o mundo e a resolver as coisas do jeito que eles sabem. O sistema é tão precário que chega a ser ridículo, “dá raiva” mesmo. O resultado é
uma experiência mágica que cria dragões, feras e monstros. Porque não tem jeito, quero ver se fosse com você, ou comigo.
Não estou negando os crimes cometidos, muito menos os aprovando. Mas uma vez li que quando não é possível mudar a situação em si é possível ainda mudar a nossa posição diante dela. Nós como sociedade estamos proporcionando o melhor para formar cidadãos honestos que busquem meios legais de viver? Acho que essa pergunta nem precisa de resposta. Está óbvio, cidadão brasileiro, que não! E disso ninguém lembra na hora de julgar o criminoso. Não podemos controlar o comportamento, nem os pensamentos que tomam cada um dos homens e mulheres todos os dias. Mas, podemos mudar o jeito que o mundo é construído. Ou vocês acham que do jeito que as coisas andam está funcionando? A mudança deve começar por aí.
Foi isso que senti hoje ao ir a APAC e conhecer mais um pouquinho dos tantos pouquinhos da vida que não conheço, e que unidos transformam-se no mundo todo. 
Vale a pena pensar, repensar, criticar e mudar!"

por Déborah Rocha. 

2 comentários:

Paula Stockler disse...

é isso mesmo Pequena!!! "Quando não é possível mudar a situação em si é possível ainda mudar a nossa posição diante dela". Muito bom, bom demais isso ai... a realidade COM CERTEZA seria outra para os presidiários e ex-presidiários se esses se deparassem com pessoas menos preconceituosas, pessoas que nao o julgassem mal SOMENTE pelo fato de terem vivido o sistema carcerário do Brasil!!! seja qual for a M#@*¨ do motivo pelo qual estão/estiveram lá!!! Boto muita fé na experiência que vc tá vivendo, peks. Beijos

Paula Stockler disse...

é isso mesmo Pequena!!! "Quando não é possível mudar a situação em si é possível ainda mudar a nossa posição diante dela". Muito bom, bom demais isso ai... a realidade COM CERTEZA seria outra para os presidiários e ex-presidiários se esses se deparassem com pessoas menos preconceituosas, pessoas que nao o julgassem mal SOMENTE pelo fato de terem vivido o sistema carcerário do Brasil!!! seja qual for a M#@*¨ do motivo pelo qual estão/estiveram lá!!! Boto muita fé na experiência que vc tá vivendo, peks. Beijos