domingo, 28 de novembro de 2010

Delete.

Olhou para o celular e pensou em ligar pra ele denovo. 
Uma saudade estranha percorreu seu corpo. 
Queria ouvir novamente a voz dele, sentir seu abraço, sair para conversar. “Só isso”, mentiu.  Ele bem que gostaria de estar aqui. 
Riu, vendo o sorriso dele na memória.
Mas como ligar pra ele se ela não tinha mais o número? 
Ela apagou todos os vestígios daquela existência. 
Contatos, presentes, orkut, msn, tudo. 
Agiu como um viciado ao se livrar do vício, jogou fora todos os estoques da droga; a garrafa de vodka escondida, o conhaque em miniatura na gaveta de calcinhas, o vinho do porto no fundo da cristaleira, a caixinha secreta com pó. Limpou ele de sua vida, para evitar a recaída.
Mas agora se sentia recuperada. 
Já tinha se envolvido com outros caras, não sentia raiva, ciúme, nem nada. 
Era outra mulher.
Agora ela assumiria outra postura diante dele. 
Queria apenas o que ele tinha de melhor, o que nenhum outro homem conseguira substituir. Depois, tchau.
Agiria como ele: não se envolveria, curtiria o momento, sem abrir mão de sua liberdade, sem cobranças, “sem desespero, sem tédio, sem fim”. Não era isso?
Deitada na cama, resgatou na memória porquê resolvera apagar aquele cara da sua vida.
Lembrou da ansiedade que a corroeu na semanas em que ele desapareceu. Cada vez que o celular tocava, ela dava um pulo. “Casa chamando”, “mãe chamando”, "escritório chamando”. Chegou a deixar o aparelho desligado por dias seguidos... 
Mas quando ligava o celular recebia sempre as mesmas mensagens: “mãe tentou falar com você e não conseguiu”, “pai tentou falar com você e não conseguiu”. As pessoas que realmente se preocupavam com ela começaram a se preocupar à toa. Tudo por causa do cara.
Quase um mês depois o celular avisou: “Ele chamando”. 
Ai ela respirou fundou, deixou tocar quatro vezes pra não demonstrar ansiedade, e atendeu com voz de gente feliz, animada, super de bem com a vida. “Voltei ontem de viagem”, o advérbio de tempo desceu quadrado, “mas não posso te ver hoje, gatinha. Tenho que ir no aniversário da minha madrinha.", o pronome de tratamento e a desculpa esfarrapada do predicado desceram rasgando.
Apoiada nas almofadas coloridas de sua cama (escolhidas com carinho, em diversos lugares), ela mordeu os lábios, como sempre fazia quando a raiva chegava de maneira incontrolável. Olhou novamente para o celular e agradeceu a si mesma por ter deletado o número.

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